31 de julho de 2009

"The Boat That Rocked" por Nuno Reis


Texto foi escrito ao som de Leonard Cohen.


Mais importante do que saber fazer música, é saber ouvi-la. Nesta década a Internet permite que novas bandas se promovam com singles gratuitos e podemos ouvir pelo menos um excerto das músicas antes de comprar o cd. Mesmo que o álbum ainda não tenha chegado ao nosso país cada um faz playlists personalizadas numa qualquer rádio online com o que quer.
Nos anos 60 os ingleses deliravam com bandas como Beatles, Rolling Stones, Doors, Beach Boys e o mesmo Leonard Cohen que esta noite nos canta e encanta. Mas a BBC, senhora absoluta das ondas de rádio britânicas, transmitia menos de uma hora diária de pop/rock. O que se pode fazer para combater essa política? O que ainda hoje se faz: fugir para águas internacionais onde não se aplicam as mesmas leis.
Imensas rádios-pirata tinham assentado arraiais na água para conseguirem liberdade de transmissão. os DJs deste "Barco do Rock" são reencarnações das lendas que por alguns anos alimentaram ouvidos. Os seus seguidores eram "apenas" metade da população britânica. Mesmo tendo a simpatia da opinião pública, a minoria que os queria ver fechados é que estava no poder e seguia a filosofia de "se não gostas de algo, torna-o proibido". Usando música como única arma quanto tempo poderão resistir a este injusto combate?

Carl é um jovem que é enviado pela mãe para junto do padrinho como castigo por fumar. Neste antro de maus hábitos vai aprender que pertence a um género de pessoas para quem as regras não têem valor. É aqui que vai aprender as maiores lições da vida. Convivendo com oito DJs e alguns outros fãs incondicionais da música, depressa se adapta ao barco-transmissor, um mundo à parte onde apenas a música interessa. As comparações com "Almost Famous" começam aqui, mas em vez de Penny Lane temos Marianne (por isso é que me lembrei de ouvir Cohen) e Carl em vez de os orientar para uma vida melhor torna-se parte dos "marginais".
Uma enorme panóplia de personagens habita este barco. Curtis volta a trabalhar com dois dos seus actores favoritos, Bill Nighy e Rhys Ifans, com o incontornável Kenneth Branagh e com o comediante Nick Frost. Como representante dos EUA tem o enorme Philip Seymour Hoffman. E a estes juntam-se ainda mais uns dez actores de topo do cinema inglês. Cada um tem os seus momentos, nem que seja por apenas 3 minutos como as deslumbrantes Gemma Arterton e January Jones. Só se percebe como são muitos quando vão a terra e, lado a lado, ocupam toda a rua. Grande momento de cinema, bem ao estilo britânico. Ao longo do filme é impossível dizer quem está melhor, cada um contribui à sua maneira para a história e por muito insignificante que seja faz falta para a pluralidade da rádio e da micro-sociedade do barco. Poucos conseguem trabalhar com um leque assim de actores, mas Richard Curtis já tinha dominado um grupo igualmente difícil em "Love Actually".

A selecção musical é extremamente forte. Em filmes musicais as associações de músicas aos acontecimentos são obrigatórias e aqui nessas ocasiões não toca o tema mais óbvio para nós, mas sim o tema que foi mais marcante na época. Para apreciar completamente este filme é preciso saber de música, ser muito nostálgico, ou ter pelo menos cinquenta anos. A banda sonora divide-se por dois CDs onde faltam alguns clássicos da época, mas mesmo sem isso revive uma década de ouro para a música.

Uma história sobre o rock, sobre as pessoas, sobre os loucos anos 60 e sobre amor. O amor das pessoas pela música que colocou nos ombros deste pequeno grupo de heróis do mar o pesado fardo do bom gosto. Eles vivem os melhores anos das suas vidas e têm o melhor emprego do mundo, mas estarão dispostos a dar a vida pelo sonho? Quando esse momento chega relembrei a pergunta que fizeram a Johnny Cash: "se estivesse a morrer na valeta e tivesse tempo para uma única música, uma última música pela qual seria recordado, qual seria essa música?" Estes DJs terão o mesmo dilema pela frente muitas vezes nos sucessivos ataques que lhes são feitos. Percebo que queiram morrer ao leme da sua rádio. Morrer por aquilo em que se acredita, por aquilo que se ama e para tornar os outros um bocadinho mais felizes. Com 25 milhões de ouvintes emitir uma música de três minutos significa viver 75 milhões de minutos através dos outros. São 130 anos cheios de música. É uma despedida em grande.
Os exageros não são do filme, são próprios destes indivíduos. São estranhos, mas sempre iguais a eles próprios. Por muito artificias que pareçam são inspirados nos DJs e no barco da Radio Caroline. Os momentos previsíveis e as piadas velhas fazem parte da magia da rádio. Permite passar uns bons momentos entre toda a nostalgia.

O filme não foi feito a pensar em quem gosta de música, mas para gostar do filme o maior requisito é gostar da música.

Título Original: "The Boat That Rocked" (Alemanha, Reino Unido, 2009)
Realização: Richard Curtis
Argumento: Richard Curtis
Intérpretes: Bill Nighy, Philip Seymour Hoffman, Nick Frost, Kenneth Branagh, Tom Sturridge, Rhys Ifans, Talulah Riley
Fotografia: Danny Cohen
Música: Steven Price
Género: Comédia,Musical
Duração: 129 min.
Sítio Oficial: http://www.theboatthatrocked.co.uk/

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