2 de maio de 2015

"Big Eyes" por Nuno Reis

Quem tem acompanhado a carreira de Tim Burton é capaz de o associar imediatamente ao fantástico, a nomes como Johnny Depp e Helena Bonham Carter e ao padrão zebrado entre vários tons escuros. Pois "Big Eyes" é quase a antítese de tudo isso. Na verdade há uma camisola às riscas pretas e brancas. E há algumas breves cenas ligeiramente psicadélicas. E participam nomes habituais como Danny Elfman e Colleen Atwood. Mas tirando isso é um filme com um pouco de romance, um pouco de comédia, muito cor-de-rosa... Surpreendidos? Não estejam. Afinal, Burton é senhor para fazer o que lhe der na cabeça e neste caso, convinha-lhe ser brando na introdução de uma história tão negra e fascinante como aquelas a que nos tem acostumado. O filme não era para ser realizado por ele, mas como era um velho admirador de Margaret Keane, depressa assumiu as rédeas do projecto, para nossa satisfação.
"Big Eyes" é a história de uma mulher numa altura em que não era fácil ser mulher, o final dos anos 50. Margaret fugiu de um marido abusivo para a vibrante San Francisco, terra de artistas e liberdade cultural. A vida era difícil, mas tinha de sustentar a filha e por isso trabalhou como decoradora de mobília. Nos dias livres, era artista de rua, criando caricaturas de quem passasse. Foi aí que conheceu Walter Keane, um pintor bon vivant e entusiasmado com tudo na vida. Depressa casaram e a iniciativa de Keane colocou-os em exposição num clube da moda onde depressa começaram a vender. Só que como ambos assinavam Keane, ele foi ficando com o crédito pela obra dela, e ela, menos dotada para a promoção, deixou-o continuar na mentira. Os anos foram passando e a mentira foi crescendo tão depressa como a fama. Margaret quis acabar com a farsa e revelar-se ao mundo, mas Walter não o permitia.
Sendo um filme de Burton e sobre pintura, a cor é de enorme importância. Tentei fixar as mais relevantes, perdoem qualquer falha ou imprecisão. A primeira cor no filme é o verde. Quando Margaret deixa o primeiro marido e a moradia nos subúrbios, partindo rumo ao desconhecido. Simboliza a felicidade, liberdade e esperança. Depois surge o rosa, o mundo de sonho para onde Walter a levou. Mas é um rosa forçado, enjoativo, a fazer recordar “Charlie and the Chocolate Factory” e os seus excessos de cor. As cores vão perdendo importância e os quadros começam a surgir. Cada um com a sua história. Cada um com uma nova mentira. O império vai crescendo, o dinheiro vai entrando, Walter está delirante e Margaret destroçada. Lentamente, a cor dominante é o amarelo. Tal como naquele quadro da rapariga loira com o gato com o qual as mentiras começaram. É a cor da dor, da traição, do fogo. Finalmente vem o azul, como o céu e o mar do Havai. Cor da liberdade. Cor de uma nova fase de progresso como Picasso poderia dizer. Todas essas cores podem ser vistas em vários adereços, mas o fundamental é o vestido da filha, Jane. Ela é o farol que guia Margaret e a cor que enverga diz muito sobre o estado de espírito de ambas. O branco normalmente é um novo começo.
No elenco temos os inconfundíveis olhos de Amy Adams, uma das actrizes mais adoradas de Hollywood e que nos tem trazido inúmeras interpretações de pessoas reais com quem simpatizamos imediatamente. A forma como equilibra emoções como o medo e a felicidade são fabulosas e como normalmente interpreta personagens frágeis tem sempre o carinho e apoio do espectador. Quase do lado oposto estava Christoph Waltz, um dos nossos vilões favoritos. Mesmo quando é mau gostamos dele, por isso não é nada difícil gostar dele quando aparece bem-disposto a recordar o tempo que viveu em Paris. A sua progressão para um manipulador agressivo é gradual e com momentos bipolares, algo que só grandes actores conseguiriam fazer e Waltz faz brilhantemente. Mesmo depois de tudo revelado e de sabermos quão perigoso é, ainda não é fácil antipatizar com ele. A acompanhar a dupla estão Delaney Raye e Madeleine Arthur, respetivamente como a pequena e a não tão pequena Jane, criança entediada, maravilhada ou aterrorizada. Há ainda um momento do grande Terence Stamp, convidado de luxo de Burton para desestabilizar a mentira estabelecida. Com actores assim, é tão fácil fazer grandes filmes.
Sintetizando, "Big Eyes" é a escolha perfeita para quem não apreciar o estilo único de Burton. A sua história simples e já conhecida, assim como os rostos conhecidos em personagens simpáticas, são uma excelente forma de ficar a conhecer o realizador mais ousado da actualidade. Depois poderão passar para “Big Fish” e seguir por aí em diante até aos títulos mais pesados. Para quem não for estranho ao Burton mais estranho, será uma surpresa ver este lado “normal” dele (ainda que o cineasta ocasionalmente aproveite para nos surpreender com uns olhos grandes). É preciso ver sem pensar que é de Burton, mas seguramente depressa ficarão arrebatados e esse exercício será tão natural como perder a noção da respiração.
Big EyesTítulo Original: "Big Eyes" (Canadá, EUA, 2014)
Realização: Tim Burton
Argumento: Scott Alexander, Larry Karaszewski
Intérpretes: Amy Adams, Christoph Waltz, Danny Huston, Kirsten Ritter, Terence Stamp, Jason Schwartzman, Delaney Raye, Madeleine Arthur
Música: Danny Elfman
Fotografia: Bruno Delbonnel
Género: Biografia,Drama
Duração: 106 min.
Sítio Oficial: http://bigeyesfilm.com/

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